Cardeal Steiner: “Ao contemplarmos crucificado, contemplamos os crucificados dos nossos dias”

No Domingo de Ramos, o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner, iniciou sua homilia dizendo que “hoje entramos com Jesus na cidade de Jerusalém. Ele montado num jumentinho e nós o acompanhamos com cantos, palmas e aclamações. Iniciamos a Semana Santa que nos toca com a nobreza do amor que redime, salva, transforma.”

Caminhamos com Jesus

O presidente do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil recordou que “caminhamos com Jesus, entramos na cidade de Jerusalém, para participar da mesa da bondade, de sua morte e ressurreição. Hoje iniciamos as celebrações que nos conduzem para a verdade da fé, a morte foi vencida; vida nova!”

O arcebispo de Manaus disse que “a liturgia que abre a Semana Santa nos oferece a leitura da Paixão como itinerário, como caminho de seguir Jesus. Condenado à morte e morte de cruz, Ele per-faz o caminho da dor, do sofrimento, da morte. Experimenta toda a finitude humana e, por isso leva à plenitude a finitude humana. Na dor, no sofrimento consola, perdoa, aponta na morte a eternidade, o paraíso.”

“No caminho do calvário Jesus não está só. Simão o Cirineu segue a Jesus no levar a cruz. Ele vai ‘atrás de Jesus’, segue a Jesus (cf. Lc 23,26). No levar, carregar, a cruz, Simão de Cirene segue a Jesus, como se estivesse a nos ensinar o modelo do seguimento de Jesus: seguir, ir atrás, carregando a cruz. Nos recorda a palavra de Jesus: ‘se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-me’ (Lc 9,23; cf. 14,27). Seguir, tomar a cruz, entregar da vida, o dom da vida aos irmãos e irmãs”, afirmou o cardeal Steiner.
No caminho da cruz, Ele não está só

Segundo ele, “no caminho da dor, do sofrimento, no carregamento da cruz, Ele não está só. O seguem as mulheres que choram, lamentam, e ele a consolar. Ele volta seu olhar: ‘Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai por vós mesmas e por vossos filhos…’. Sim quanta dor e quanto sofrimento na maternidade. Filhos perdidos, mortos, rejeitados pela sociedade, amputados, destroçados pelas guerras, mortos pela inanição, pela fome. Se nos fosse dada a possibilidade de escutar o choro das mulheres que perdem os seus filhos e filhas somente na guerra, seria ensurdecedor. Talvez, a dor já tenha secado as lágrimas. E no carregamento da cruz, na subida do calvário, caminha com Jesus a multidão dolorida e sofrida.”

E no final do caminho, pendido da cruz oferece a misericórdia, disse, inspirado nas palavras de Papa Francisco no Domingo de Ramos de 2019: “’perdoa-lhes não sabem o que fazem’! Num momento específico: durante a crucifixão, quando sente os cravos perfurar-lhe os pulsos e os pés. Tentemos imaginar a dor lancinante que isso provocava. Na dor física mais aguda da Paixão, Cristo pede perdão para quem o está perfurando. Jesus no ser rasgado, despedaçado, lacerado, suplica: Perdoa-lhes, Pai. Não repreende os algozes nem ameaça castigos em nome de Deus, mas reza pelos ímpios. Cravado no patíbulo da humilhação, aumenta a intensidade do dom, que se torna ‘per-dão’.”

Jesus não se limita a perdoar

O cardeal ressaltou que “a súplica perdoativa de Jesus na cruz nos revela o sentido, a cor de fundo que sustenta a nossa vida de seguidores e seguidoras de Jesus. ‘Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem’. Jesus não se limita a perdoar, ultrapassa a si mesmo e indica o Pai como a fonte da misericórdia, do perdão, do amor. O irromper do amor e do perdão não está n’Ele, mas no Pai. Ele é o intercessor, o suplicador, o ofertador do perdão no amor.”

Segundo ele, “a misericórdia benfazeja e redentora ressoa nas palavras dirigidas ao ladrão que lhe suplica para que não seja esquecido: ‘lembra-te de mim’! Nasce, então a palavra da misericórdia, da mansidão, da esperança, do aconchego que faz do ladrão crucificado o ‘bom ladrão’: ‘Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso’. É no alto da Cruz que está fonte da misericórdia!”

“Depois do consolo, do perdão, da misericórdia, no extremado da dor, no dilaceramento, no sofrimento, Ele está só. Sente-se abandonado por todos e por tudo. Onde estão os discípulos, onde as multidões saciadas de pão, onde os cegos agora com olhos, onde os surdos, agora ouvintes, onde os leprosos purificados e reinseridos? Onde os pássaros do céu, os lírios do campo… Ele está só”, refletiu o arcebispo de Manaus.

Ele na cruz com todas as cruzes!

Aprofundando no texto, o cardeal Steiner destacou que “Ele na cruz com todas as cruzes! Desalentado, só, suspenso entre a terra e o céu; quase desesperançado! Sem terra e sem céu! Foi suspendido de tudo e de todos. Pode haver angústia maior, pode haver dor maior que a solidão, o abandono? Não espinhos, os cravos, a cruz, mas o abandono.”

Ele citou as palavras de Harada, um místico que meditando o abandono de Jesus, ensina: “Tudo isso, esse total abandono e fracasso, na visão da Fé, nos mostra totalmente outra paisagem: tudo de repente se vira pelo avesso: o extremo abandono é, na realidade, plenitude de amor: a profunda solidão se converte em unidade total. No momento em que parece mais desamparado, está mais do que nunca identificado com o querer divino, transparente ao Pai. Nessa fraqueza sem fim, Jesus se acha, sem reserva, ‘entregue’ ao Poder do Pai, totalmente aberto ao ato criador da Ressurreição.”

“Nasce, então a declaração de amor que escutávamos na leitura da Paixão: ‘Pai nas tuas mãos eu entrego o meu espírito’. Nessa entrega, sem reservas, sem condicionamentos, sem porque, sem para que, apenas gratuidade de amor, lemos e vemos a salvação que nasce da cruz. A cruz torna-se elo. Revela unidade. É o ponto de salto da nova criação, do novo Céu e da nova Terra. É o vir à luz da unidade primordial entre o Divino e o Humano. A cruz é a fenda, onde tudo se entrecruza e tudo se ilumina. Percussão que percute em todas as coisas, em todas as criaturas mostrando que tudo é Um no amor do Pai e do Filho. Assim, a haste vertical, nascida da terra, sobe até o céu e penetra o íntimo de Deus. A haste horizontal, cruzada e sustentada pela vertical, percorre toda a terra e invade os horizontes de toda a humanidade, de toda a história e de todo o universo, levando a todos e a tudo a salvadora jovialidade do novo Adão. E depois do grito expirou, entregou o espírito”, disse inspirado no comentário de Fernandes e Fassini.

Tudo nele se encontra e redime

“Nele agora tudo transformação. Podemos expressar e dizer: solidão, solitudo; Está só com tudo. Tudo nele se encontra e redime. Como despertava Isaias: “ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo. O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás” (Is 450,4-5). Caminhemos com Jesus, pois ele excita o ouvido para em todas as situações percebermos os caminhos da salvação”, pediu o arcebispo.

Ele sublinhou que “ao caminharmos com Jesus e ingressarmos em Jerusalém, veremos que caminha com a cruz nas costas, é crucificado e morto na cruz. Ao contemplarmos crucificado, contemplamos os doidos, os sofridos, os descartados e crucificados dos nossos dias. Mulheres e homens que sofrem violência, são excluídos, explorados, privados de direitos e de dignidade. O Pendente da cruz e nela morrido, a nos provocar a não nos conformarmos com o ódio, a divisão, a violência, as guerras, os assassinatos, as ideologias que sufocam e matam. Ele a indicar outro caminho: oferecer consolo, perdão, fraternidade. Significa evitar que mulheres e homens continuem a crucificar outros irmãs e irmãos.”

No caminhar com Jesus entregar a vida por amor

“No caminhar com Jesus entregar a vida por amor… É o que nos ensina São Paulo”, disse, recordando as palavras da Carta aos Filipenses: “Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo fazendo-se obediente até a morte e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está cima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu e na terra e abaixo da terra, e toda língua proclame: Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fl 7,6-11).

Finalmente, o cardeal Steiner sublinhou: “Do amor da cruz nasce o Reino da nova humanidade, livre, onde todos serão irmãos e irmãs no amor. Na Cruz, lugar da entrega, do amor do irromper do novo Reino, os apóstolos, os seguidores e seguidoras de Jesus anunciam a instauração do Novo Reino. Caminhemos com Jesus nesses dias e deixemos-nos iluminar pela cruz e a ressurreição. Amém!”