Doente, idoso, constantemente agredido e perseguido, mas o Papa Francisco, depois de 12 anos de caminho, ainda está aqui. O filme “Ainda estou aqui”, que recentemente ganhou vários prémios internacionais, destacando o Oscar a melhor filme internacional, me inspira no dia em que se completa mais um aniversário da eleição do atual pontífice, e assim refletir sobre os passos dados pelo primeiro Papa latino-americano.
Poderíamos equiparar a luta de Eunice Paiva, símbolo do enfrentamento à Ditadura Militar no Brasil, com os passos dados pelo atual pontífice. Tanto a advogada quanto o atual pontífice enfrentaram o sistema dominante para fazer realidade um Brasil e uma Igreja de todos, todos, todos. Isso frente àqueles que sempre se empenharam em defender um país e uma Igreja de elites, perseguindo até a morte todos os que enfrentavam o sistema, dado que existem muitas formas de matar.
Sua atitude tem que nos levar a refletir sobre a necessária toma de postura diante de situações que perpetuam uma sociedade e uma Igreja elitizada, colocando do lado de fora uma grande maioria. Francisco se posicionou desde o início de seu pontificado em favor de uma Igreja pobre e para os pobres, uma Igreja sinodal, uma Igreja cuidadora, samaritana, presente nas periferias geográficas e existências, no meio daqueles que mais sofrem, se colocando contra a auto referencialidade, o clericalismo e os abusos de todo tipo.
Francisco é alguém que questiona fortemente com seu testemunho de vida, marcado pela grande capacidade de escuta, por sua abertura e atenção à realidade concreta do povo, com palavras que chegam ao coração. A missão assumida pelo Papa 12 anos atrás é um serviço em favor do Reino de Deus, de um mundo melhor para todos e todas, uma dinâmica também presente na vida de Eunice Paiva, que nunca abriu mão de seu empenho em favor dos direitos humanos.
O compromisso das mulheres e homens que enfrentaram a ditadura militar no Brasil fez com que hoje a democracia determine a convivência no país, mesmo com fortes tentativas de restaurar aquele regime. Se buscava uma sociedade onde ninguém fosse perseguido por seu modo de pensar, de viver, de entender a vida. Sabemos que ainda falta um longo caminho a percorrer, mas não podemos deixar de reconhecer os avanços alcançados.
Na Igreja, esse modo de sociedade poderia ser identificado com a sinodalidade, que busca na escuta de todos e todas e no discernimento comunitário, com a participação dos diversos carismas e ministérios, concretizar o caminhar de uma Igreja que responda aos sinais dos tempos, entendendo que a diversidade nos enriquece e que abrir-se aos outros é condição necessária para viver o discipulado missionário hoje.
Enfrentar a ordem estabelecida, sobretudo quando ela é consequência de atitudes históricas que geram divisão, fugindo da comunhão e de uma convivência sadia, é algo que provoca perseguição da parte daqueles que se acham detentores do poder. A autoridade não nasce de atitudes autoritárias, ela é fruto do testemunho e do compromisso de vida, uma postura assumida por Francisco, que provoca admiração em muitas pessoas, inclusive naquelas que não fazem parte da Igreja católica. Ele ainda está aqui, nos mostrando que sua luta, seu compromisso, é com a vida para todos, todos, todos.
Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1 – Editorial Rádio Rio Mar