Escutar os clamores da realidade, dos povos que habitam a Amazônia, é um dos grandes desafios de uma evangelização encarnada e libertadora. Daí a importância de analisar a realidade, a conjuntura amazônica desde diversas perspectivas.
Uma análise da realidade que a professora da Universidade Federal de Roraima, Márcia Maria de Oliveira, abordava desde o fenómeno das migrações como um desafio para a Igreja da Amazônia. Segundo a socióloga, a Amazônia é a região do Brasil com maior mobilidade humana, com deslocamentos internos e internacionais. Uma realidade marcada pela violência e a violação dos direitos humanos, com grupos especializados em contrabando, tráfico de pessoas e exploração no trabalho. Migrantes, principalmente venezuelanos, sem documentação, com um atendimento deficiente do governo brasileiro, marcados pelo sofrimento, que demanda da Igreja a necessidade de acolher e incluir os migrantes, para vencer a xenofobia e a aporofobia.
O alto número de migrantes tem provocado um aumento de moradores de rua, que coloca desafios pastorais. Existe uma relação entre as fronteiras e os conflitos socioambientais, se dando uma parceria entre o garimpo criminoso, o crime organizado e o avanço do agronegócio. O crime organizado controla o garimpo, o tráfico de drogas, o tráfico de pessoas, se dando uma relação com o desmatamento e as queimadas, com a contaminação da terra e das águas, com a crise climática.
Diante disso, se faz necessário, segundo a professora, mudar os quadros políticos. Ela denuncia o crescimento da violência na Amazônia, especialmente contra as mulheres, vítimas de assassinatos, e de violência sexual, e da violência sexual contra crianças. Na Amazônia, uma criança ou adolescente é vítima de estupro a cada 8 minutos no último ano, e tem se dado um grande aumento da gravidez de crianças de 10 a 14 anos. Tudo isso em um clima de impunidade diante dessa violência.
Na Igreja da Amazônia, se faz necessário, segundo o arcebispo de Cuiabá, Dom Mário Antônio da Silva, olhar para fora, abrir janelas, abrir portas, abrir o telhado. Ele questionou como é o compromisso da Igreja na Amazônia, o que é prioridade. Diante da complexidade da realidade, se faz inevitável o profetismo, perguntando “como ser profeta da verdade em nossa querida Amazônia em nossos dias?” e “o que se espera da Igreja?”. Diante disso, o arcebispo de Cuiabá fez um chamado a dedicar tempo para dar passos, para avançar, sentar e discutir, para discernir e agir, aproveitar as reflexões, buscar propostas para um caminho real.
No atual processo sinodal, Dom Mário Antônio desafiou a não ficar apenas com gotas de Francisco, mas ser um rio de missionariedade, e depois do encontro, “não levar apenas sementes, mas frutos em abundância para todos”. Ele destacou a necessidade de uma formação sacerdotal para ser padres discípulos pastores, refletindo sobre o diaconato permanente e a dificuldade do clero para aceitá-lo, mas também sobre a questão econômica.
Em uma perspectiva meio ambiental, ecológica, Felício Pontes, procurador da República, destacou os aportes dos bispos da Amazônia nesse campo. Ele citou as palavras do Papa Francisco na Laudate Deum: “E o mesmo disseram, em poucas palavras, os bispos presentes no Sínodo para a Amazônia: ‘Os ataques à natureza têm consequências negativas na vida dos povos’”. Uma ideia que já aparece em Laudato Si´, que afirma que a ecologia e a justiça social estão intrinsecamente ligadas.
O procurador refletiu sobre o modelo predatório de desenvolvimento, combatido desde Santarém 1972, que se concretiza na exploração de madeira, na pecuária, na mineração, na monocultura e na infraestrutura. A consequência disso é que desde 1972, que havia um 0,5% de desmatamento, passou a 20%, ponto de não retorno. Na Amazônia, os conflitos são conflitos por terra e os povos indígenas são os alvos dos ataques. Nessa perspectiva, Felício Pontes destacou o direito a terra como causa dos conflitos.
O caminho sinodal da Igreja da Amazônia: Comunhão, Participação e Missão, se concretiza na caminhada da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), segundo o cardeal Pedro Barreto, presidente da CEAMA. Ele definiu a REPAM e a CEAMA não como instituições e sim como organismos que expressam a vida da Amazônia, como as duas faces de uma mesma moeda, expressão de uma Igreja sinodal que escuta o clamor da terra e dos pobres na Amazônia, e que age de maneira conjunta e articulada.
O cardeal Barreto insistiu em que esse é um caminho sinodal iniciado no Concílio Vaticano II, que teve sua aplicação na América Latina na Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Medellín (Colômbia), em 1968. Uma dinâmica levada à Amazônia nos encontros amazônicos de Iquitos (Peru) em 1971 e Santarém, em 1972. O cardeal peruano destacou a importância da Conferência de Aparecida, onde os bispos da Amazônia brasileira destacaram a importância da evangelização na região. Igualmente, a importância do Sínodo para a Amazônia (2019), do Sínodo 2021-2024, que no Informe de Síntese da Primeira Sessão, destaca que a CEAMA é fruto de um processo sinodal.
“Estamos abrindo caminho desde a Amazônia”, enfatizou Barreto, que mostrou o desejo de no Jubileu 2025 ser peregrinos de esperança para a Amazônia. Um desejo expressado pela Ir. Laura Vicuña Pereira Manso, vice-presidenta da CEAMA, que fez um chamado a que “façamos do Sínodo para a Amazônia um caminho trilhado por todos nós”. Esse Sínodo para a Amazônia “nos deu uma consciência pan-amazônica”, segundo o bispo auxiliar de Manaus e vice-presidente da CEAMA, Dom Zenildo Lima. Ele lembrou da existência no Brasil da Comissão Episcopal Especial para a Amazônia, do trabalho em rede iniciado com a REPAM e o posterior organismo de coordenação, ferramenta, das igrejas locais surgido com a CEAMA, destacando a necessidade de diálogo da CEAMA com as igrejas locais.
Por: Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1
Reprodução: CNBB Norte 1